Herdeiros dos primeiros pés que pisaram em solo brasileiro, os indígenas carregam ao longo dos séculos diferentes realidades, costumes e tradições. Em Mato Grosso do Sul, essa riqueza cultural expressa-se nas etnias presentes no estado, sendo as que possuem maior densidade populacional os Guarani Kaiowá e os Terena. Para perpetuar os modos de vida e transformar conhecimento ancestral em geração de renda, eles também vêm marcando território em outro campo: no empreendedorismo.
Com iniciativas focadas principalmente na economia criativa, povos indígenas de diferentes regiões de Mato Grosso do Sul contam com o apoio do Sebrae/MS para solidificarem seus negócios. E isso ocorre por meio de capacitações para quem quer iniciar uma empresa, mas não sabe por onde começar; até ações de conexão com o mercado, como a participação em feiras e eventos, que possibilitam a venda do produto para um público mais exigente e consolidação de novas parcerias comerciais.
Esse trabalho ganhou robustez com o Termo de Cooperação Institucional firmado no último dia 12 abril, entre Sebrae e Governo do Estado, via Secretaria Estadual de Cidadania, que prevê, ao longo de 2024, ações para estimular e desenvolver o empreendedorismo junto aos povos originários. A parceria contempla capacitações, ações acesso ao mercado, entre outras iniciativas.
“É uma parceria que vai transformar a realidade social dentro dos territórios indígenas, a partir das pessoas que irão fazer essa capacitação, porque traz não só o empoderamento dessas pessoas, mas, também, aperfeiçoa os trabalhos, seja na área da Arte, da Cultura e nas outras áreas do sistema de produção interna das nossas comunidades; consequentemente, transformando a realidade dessas famílias”, declarou na data o subsecretário de Estado de Políticas Públicas para os Povos Originários, Fernando Souza.
Ainda segundo o subsecretário, que também é da etnia Terena, o empreendedorismo está presente junto aos povos indígenas, porém, é necessário deixá-lo mais maduro. “O empreendedorismo é uma iniciativa que já está presente dentro do nosso território, no entanto, ainda de forma muito tímida. Precisamos extrapolar os limites dos territórios indígenas e chegar nas cidades, nas capitais, no Brasil e no mundo”, pontuou.
Capacitação para abrir um negócio
“Vi que em poucos dias de curso, todas começaram a mudar a forma de agir. Elas nunca imaginaram que eram capazes e, com essa capacitação, perceberam que é possível fazer e seguir de forma independente, o que fez toda a diferença. Como líder, muitas vezes eu tinha que puxar a corda sozinha e, agora, percebi o envolvimento maior de todas elas e isso é fundamental para nós. Juntas somos mais fortes”.
A declaração é de Ramona Coimbra Pereira, vice-cacique da aldeia Ofaié, em Brasilândia. Ela também é líder de um grupo de 30 mulheres artesãs, que juntas produzem toalhas de mesa, bolsas e almofadas com elementos que remetem à flora e fauna locais. Uma das figuras presentes nos materiais, por exemplo, é a “hoti”, como é chamada no idioma materno a onça.
Devido ao potencial empreendedor, o grupo de mulheres recebeu o primeiro curso Empretec Indígena do país, entre os dias 8 e 13 de abril. A capacitação trabalha o comportamento empreendedor, a partir de uma metodologia desenvolvida pela Organização das Nações Unidas (ONU) e aplicada no Brasil pelo Sebrae há mais de 30 anos. Para atender ao público Ofaié, a metodologia passou por adaptações, principalmente, quanto à linguagem.
Além do curso que auxilia quem quer abrir um negócio, o Sebrae, por meio do programa Cidade Empreendedora, executado em parceria com a Prefeitura Municipal, apoia a comercialização dos produtos em feiras em Brasilândia. O artesanato também é destaque em ações maiores, como a 19ª RuralTur – maior evento de turismo rural do país realizado em Campo Grande, em 2023 – o que tem trazido mais visibilidade para as mulheres.
A participação em feiras, já possibilitou, por exemplo que uma das peças feitas pelas artesãs aparecesse na novela Terra e Paixão, exibida pela TV Globo, no ano passado. “Eu participei de uma feira em Bonito e vendi uma toalha de mesa para um revendedor, passou um tempo e vimos a toalha aparecer na novela. Nem acreditei! Foi um grande orgulho para a nossa comunidade e isso fez com que mais pessoas quisessem comprar o nosso trabalho”, celebrou a vice-cacique.
Acesso a mercado
As ações de acesso a mercado, como participação em feiras, eventos e rodada de negócios, são importantes para empreendedores em estágio inicial, que tem a oportunidade de expor o seu produto para outros públicos. A artesã Janir Gonçalves Leite, da etnia Terena, é da aldeia Taunay/Ipegue, em Aquidauana e está presente em uma vitrine on-line do Sebrae para o mundo. Trata-se da plataforma “Made in Pantanal”, que reúne produtos, serviços e experiências que remetem ao bioma ou que foram produzidas na região.
A ação também contempla a entrega de um selo para os empreendedores que são acompanhados por consultores do Sebrae e remodelaram os negócios deixando-os mais atrativos. Como parte da estratégia, eles são convidados a expor em eventos diversos. Assim, Janir Gonçalves Leite levou suas peças de cerâmica decorativa que representam a fauna e flora pantaneira para expor na 1ª Mostra de Economia Criativa do Paxixi, ocorrida entre os dias 9 e 10 de março, no Distrito de Camisão, em Aquidauana. O evento foi uma realização do Sebrae/MS e a Associação dos Empreendimentos do Corredor Turístico Paxixi (Aecopaxi), com a participação de 30 expositores.
“Sou muito grata por ter sido convidada, só o fato de estar presente é uma gratidão enorme. Eu venho com o selo Made in Pantanal, então as pessoas olham para gente com um olhar diferente, porque elas olham o produto e percebem que você também teve uma orientação”, declarou a empreendedora.
Parcerias que conectam
Por outro lado, participar de ações de mercado permite ampliar o networking e fechar parcerias comerciais, por exemplo, para atuar enquanto fornecedor. O líder indígena e empreendedor Dênis Daniel de Oliveira, da etnia Terena, fundou a primeira agência de etnoturismo da região, a Vamá EtnoTur. Atualmente, o empreendimento atua em Miranda com as comunidades em um roteiro que envolve experiências gastronômicas e culturais.
“Temos atividades de agro extrativismo, que envolve a coleta da Bocaiúva e o processo para transformá-lo em farinha, além da parte da gastronomia que traz a confecção de receitas com esses frutos nativos. Temos também o artesanato com a cerâmica terena feita na Aldeia Babaçu e na Aldeia Cachoeirinha, por exemplo”, explica o empreendedor, que também possui o selo Made in Pantanal.
Considerada a porta de entrada para a região sul do Pantanal, Miranda chama atenção pela biodiversidade e riqueza cultural. A cidade recebeu o Dia da Oportunidade e o Festival da Cultura Pantaneira, realizados nos dias 6 e 7 de abril, que trouxeram para o público uma programação que envolveu capacitações, exposição de produtos e troca de experiências entre os empresários. As iniciativas levadas para o município por meio do programa Cidade Empreendedora, executado pelo Sebrae, em parceria com a Prefeitura.
Além de possibilitar que os empreendedores apresentassem os produtos para a comunidade, o evento permitiu a troca de experiências entre eles e a conexão para futuras parcerias com a Rodada de Negócios. Na data, donos de pequenas empresas locais e de grandes empreendimentos puderam conversar e identificar novos mercados. Um dos participantes da rodada foi o empresário Dênis Daniel de Oliveira. “Participar da rodada foi um momento muito proveitoso, pois pude divulgar mais o nosso trabalho e, com isso, trazer mais visibilidade para as comunidades. Queremos gerar renda com o turismo e aumentar a autoestima do nosso povo”, expôs.
O empreendedor também já participou de outros eventos do Sebrae, a exemplo do EmpreendeFest – 1º Festival de Empreendedorismo de MS ocorrido em Campo Grande, e estande do selo Made in Pantanal durante o Festival de Inverno de Bonito, ambos no ano passado. A expectativa é que mais parcerias frutíferas surjam.