Vídeos gravados por pacientes e funcionários de postos de saúde de Dourados, chegaram às redes sociais nos últimos dias, mostrando uma vereadora da cidade discutindo com médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem enquanto filmava a rotina dos plantões.
As imagens, registradas nos dias 10 e 11 de julho, exibem a parlamentar exigindo prontuários, ordenando a interrupção de atendimentos e ameaçando dar voz de prisão a profissionais que se recusavam a ser filmados.
A conduta — classificada como “truculenta” por entidades de classe — motivou uma representação protocolada na quarta-feira (17) no Ministério Público Estadual (MPE) e no Conselho Regional de Medicina (CRM-MS).
O documento foi elaborado pelo advogado e professor da UFGD, Tiago Botelho, que sustenta haver indícios de abuso de autoridade, assédio moral e violação de direito de imagem.
“Vereador não tem poder de comando sobre servidores da saúde. Expor trabalhadores em redes sociais, sem consentimento, ultrapassa qualquer prerrogativa de fiscalização”, afirmou Botelho ao Atualiza MS. “Há margem, inclusive, para processo por quebra de decoro parlamentar”, completou.
Nos vídeos é possível ouvir a vereadora elevando o tom de voz, criticando a demora no atendimento e apontando o celular para profissionais que pediam para não ser filmados. Em ao menos um caso, ela tenta impedir a saída de um médico da sala de triagem e diz que chamará a polícia.
Dados do Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso do Sul mostram que 80 % das agressões contra enfermeiros no Estado não chegam a ser formalizadas por receio de represálias.
Entre janeiro e junho deste ano, o Sindicato dos Médicos registrou 995 ocorrências de ameaças ou lesões corporais contra médicos — índice que coloca MS entre os dez estados com maior violência nesse ambiente de trabalho.
O Sindicato dos Servidores da Saúde de Dourados divulgou nota repudiando “qualquer tentativa de intimidação” e pedindo “respeito a quem sustenta o sistema público com plantões exaustivos e salários defasados”. A entidade informou que oferecerá assessoria jurídica aos profissionais filmados.
Procurada por vários órgãos de imprensa, a vereadora afirmou, por telefone, que “apenas cumpre o dever constitucional de fiscalizar” e que “vai continuar visitando unidades para defender o cidadão”. Ela negou abuso e disse ter encaminhado “denúncias de pacientes” à Secretaria Municipal de Saúde.
A pasta, por sua vez, declarou que “não foi notificada oficialmente sobre as supostas irregularidades” e que “mantém canal aberto de apuração quando há queixas formais”. A Secretaria acrescentou que as unidades de saúde “seguem protocolos de atendimento que não podem ser interrompidos sem prejuízo ao usuário”.
Possíveis desdobramentos
Especialistas ouvidos pelo Atualiza MS observam que, caso o MPE entenda haver elementos de abuso de autoridade (Lei 13.869/2019) ou desacato, o caso pode resultar em ação penal.
No âmbito político-administrativo, o plenário da Câmara pode abrir processo por quebra de decoro, passível de cassação, mediante requerimento de qualquer vereador ou de iniciativa popular.