A América Latina e o Caribe possuem um extenso histórico de laços políticos, econômicos e culturais com os Estados Unidos, sendo este o seu maior provedor de investimentos estrangeiros diretos. A partir do início do século XXI, entretanto, o foco de Washington em outras áreas, particularmente no Oriente Médio e no Sudeste Asiático, reduziu a atenção dedicada aos países latino-americanos.
Com efeito, a presença da China na região se fortaleceu, consolidando-se como importante fornecedora de empréstimos – especialmente à América do Sul – e, ao longo dos anos, tornando-se o principal parceiro comercial de muitos países, inclusive o Brasil. Entre 2010 e 2021, o fluxo comercial entre Pequim e a América Latina registrou um impressionante crescimento de 130%, com uma taxa média anual de crescimento de 8% na corrente de comércio.
A eleição desta terça-feira (5/11) não mudará fundamentalmente as relações entre Washington e a América Latina. Os conflitos no Oriente Médio, a interminável guerra entre Ucrânia e Rússia e a crescente instabilidade no Sudeste Asiático continuarão a dominar as atenções do(a) próximo(a) presidente americano. Mas, naturalmente, haverá impactos.
Com Kamala Harris, as relações entre os EUA e a região seriam mais fluidas e cordiais, com ênfase em temas como meio ambiente, energia e democracia. Já com Trump, seu relativo distanciamento dos temas atualmente latentes no cenário internacional pode, em teoria, favorecer um retorno da América Latina à agenda de Washington — possivelmente até mais do que com os democratas.
É importante recordar que foi justamente durante o governo de Donald Trump que o volume de empréstimos à América Latina, provenientes de organismos multilaterais altamente influenciados por Washington, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, ultrapassou os financiamentos chineses.
Por outro lado, um novo governo republicano poderia implicar novas tarifas sobre setores econômicos estratégicos, especialmente para a América do Sul, como o agropecuário e a mineração.
Além disso, o tom das relações tampouco seria o mais desejável — a julgar pelos nomes cotados para assumir o Departamento de Estado, os governos latino-americanos devem esperar uma margem reduzida para negociação. Do Panamá ao México, o principal risco reside na provável postura mais agressiva em relação à imigração.
Para os mexicanos, ainda há um elemento adicional: a revisão do Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA), prevista para 2026. As negociações inevitavelmente envolverão as reformas microeconômicas adotadas por Andrés Manuel López Obrador (2018-2024). Estados Unidos e Canadá criticam as medidas, por supostamente restringirem a participação de empresas desses países no setor elétrico mexicano.
Para os norte-americanos, o principal desafio no que diz respeito à América Latina é de ordem reputacional. Apesar da solidez dos laços comerciais entre a região e os Estados Unidos e de 70% dos latino-americanos possuírem uma visão positiva desse país, cresce a percepção de que a aliança com Washington já não oferece as mesmas vantagens imediatas de outros tempos.
Conforme afirmou a ex-secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice (2005-2009) em artigo publicado na revista Foreign Affairs, “uma estratégia dos Estados Unidos que ignora uma região até que a China apareça não terá sucesso. Washington precisa demonstrar um engajamento contínuo com os países do Sul Global nas questões que lhes são importantes” (tradução livre).
Felizmente, tanto democratas quanto republicanos parecem estar cientes desse diagnóstico. Basta citar a série de visitas à região realizadas por membros do alto escalão dos Estados Unidos nos últimos anos, particularmente pela Comandante do Comando Sul, General do Exército Laura J. Richardson, e pelo Secretário de Estado Assistente para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Brian A. Nichols.
Não obstante, as desconfianças estão longe de terminar. Por isso, em um cenário ideal, o(a) próximo(a) ocupante da Casa Branca terá de convencer a América Latina e o Caribe do valor de manter uma aliança sólida com os Estados Unidos. Qualquer ação que não cumpra essas expectativas ou que, no pior dos cenários, aumente as suspeitas em relação a Washington, inevitavelmente aproximará ainda mais da China os países da Região. Incentivos para isso não faltam.